domingo, 10 de dezembro de 2023

Satisfação e Bem-Estar no Trabalho, será um Sonho?


 

Quando se pensa em qualidade de vida e saúde, é inegável a influência da vida profissional no bem-estar geral.

Se grande parte do nosso tempo é dedicado a trabalhar, importa refletir sobre o contributo do nosso trabalho para a satisfação das nossas necessidades, aspirações e propósito pessoal. Para essa reflexão, é essencial um exercício de autoconhecimento que permita a conexão com os nossos valores, interesses e prioridades atuais e que responda a questões tais como: “Quais são os meus conhecimentos, talentos e aptidões?”, “O que gosto de fazer?”, “O que faço melhor?”, “Quais são as minhas prioridades atuais?”, “Quais são as minhas metas de vida?” Exercer uma profissão alinhada com o propósito pessoal, que vá além da recompensa monetária e numa área pessoalmente relevante, é fundamental para uma vivência significativa e satisfatória. Pelo contrário, exercer uma função pouco estimulante e nada significativa ao longo da vida, desconectada das motivações pessoais e objetivos de vida, poderá ter efeitos muito negativos na saúde mental.

Por outro lado, é igualmente importante compreender se as condições do ambiente de trabalho respondem às necessidades de bem-estar geral e de produtividade.

Ambientes de trabalho pautados pelo excesso de horas de trabalho, comunicação agressiva, relações conflituosas, desvalorização dos trabalhadores, sobrecarga de tarefas, prazos curtos, falta de feedbacks e metas irrealistas, podem afetar gravemente a saúde mental, levando ao aparecimento de problemas de saúde psicológica, como o stress crónico, a depressão e a ansiedade.

É de salientar que Portugal ocupa o primeiro lugar no risco de Burnout – definido pela OMS como o estado de esgotamento físico e mental causado pelo exercício de uma atividade profissional- na União Europeia.

Para este desgaste extremo, além da pressão do exterior, podem também contribuir fatores pessoais, em relação aos quais importa refletir, tais como o perfecionismo, o elevado nível de ambição e de criticismo e a auto-exigência, imperando a pressão pessoal para desempenhos excelentes e maximização de resultados. Quando assim é, parece não haver muito espaço para desligar, desconectar e parar.

No entanto, há muito que as neurociências evidenciaram que incorporar tempos de pausa no nosso quotidiano, promove uma maior energia, clareza mental e capacidade de concentração ao longo do dia. Ou seja, ao ativar no cérebro um estado mais passivo e relaxado, são neutralizados os efeitos negativos das hormonas do stress e produzidos neurotransmissores como endorfinas e dopaminas  que acentuam a sensação geral de bem-estar. Este estado permite assim romper com os padrões de raciocínio anteriores e com as emoções negativas associadas, promovendo o acesso a uma posição neurológica mais favorável a um raciocínio mais claro, criativo e produtivo

É neste parar que a mente se reorganiza, criando-se a base para novos insights e para aumentar a criatividade e a capacidade para resolver problemas e tomar decisões, incrementando a qualidade do trabalho e a auto-confiança.

Se queremos ser produtivos, criativos e equilibrados em contexto profissional, é essencial colocarmos como prioridade tempo para nós mesmos, bem como respeitar os nossos limites, pedir ajuda sempre que necessário, delegar tarefas e ser flexível na resolução de problemas.

A conciliação da vida profissional com a pessoal, é igualmente importante para a nossa saúde, equilíbrio e produtividade, bem como a adoção de práticas de autocuidado.   

A realização de exercício físico e de atividades que proporcionem prazer, bem como seguir uma alimentação equilibrada e manter uma boa rotina de sono são atitudes diárias que contribuem para a saúde de forma geral, promovendo a libertação de hormonas associadas ao bem-estar. Desenvolver relações saudáveis, pautadas pela confiança, honestidade e empatia, bem como a partilha de emoções com alguém de confiança contribuem igualmente para o bem-estar.

Estas e outras medidas de autocuidado constituem-se como importantes fatores protetores do stress laboral, contribuindo para um bem-estar geral, em que a pessoa está ciente das suas habilidades e é capaz de enfrentar as dificuldades, trabalhar de forma produtiva e contribuir para a sua comunidade. 


Artigo Publicado na Revista Progredir . Dezembro 2023 . Número 143. Mensal

sábado, 14 de outubro de 2023

10 de Outubro - dia Mundial da Saúde Mental e dia 16 de Outubro - dia Nacional da Luta contra a Dor

No dia 10 de Outubro foi assinalado o dia Mundial da Saúde Mental e no dia 16 o dia Nacional da Luta contra a Dor, onde destaco a Dor crónica. Assim, o texto de reflexão é direcionado para esta temática, a Dor Crónica e a Saúde Mental.

Vamos olhar para este tema a partir da base, onde o corpo está intimamente ligado à mente.

Na sua maioria, os episódios de dor agudos, tendencialmente resolvem-se por si próprios ou após um tratamento médico adequado e serve geralmente como função de alarme do organismo, enquanto a dor crónica distingue-se pela regularidade e persistência dos episódios de dor, em geral durante mais de seis meses. A dor crónica pode surgir no contexto de várias doenças (cancro, doenças reumáticas, diabetes, zona, etc.), ser agravada por traumatismos ou posições forçadas ou incorretas, estar associada a um período pós-operatório ou surgir sem causa aparente.

A dor crónica, tal como as doenças crónicas pode acompanhar durante muito tempo a vida de uma pessoa ou toda a sua vida, e neste último caso não há cura, apenas tratamentos periódicos, tornando-se assim numa possível ameaça ao bem-estar e na qualidade de vida.

Existem as que são potencialmente ameaçadoras à vida, e as que não apresentam risco mas podem ter o potencial de serem fisicamente debilitantes. Além da parte física, também apresentam efeitos emocionais e psicológicos que podem ser devastadores e até influenciarem o processo de tratamento.


E como se pode viver com dor crónica (para a vida!) e manter-se uma pessoa feliz e realizada?

A dor crónica naturalmente provoca mudanças na vida da pessoa, para além dos condicionamentos do dia-a-dia, obrigam a tomadas de decisões e à exploração de novos caminhos desconhecidos até então.

Cada dor e cada doença associada tem as suas especificidades, seja o número de horas que a pessoa tem de passar em serviços de saúde, as alterações na alimentação, o tempo recomendado de descanso, a possível ausência do trabalho, menos rendimento, modificações nos papéis sociais, alteração de hábitos, dependências e interdependências de outras pessoas. Nas situações em que a pessoa precisa de alguém para se deslocar ou para realizar alguma atividade do quotidiano, as dificuldades emocionais da gestão da doença tendem a piorar.

E por tudo isto, o foco na área psicológica é tao importante como nos tratamentos médicos.

Perante esta situação, existem algumas questões fundamentais, que ajudam a uma maior aceitação da doença e a uma maior procura de alternativas que aumentam o bem-estar:

- Procurar um médico com o qual se identifique e procurar fazer todas as questões que tiver e tomar as decisões sobre os tratamentos com o médico, e seguir o tratamento de forma adequada.

- Aprender o máximo que puder sobre a doença – Quanta mais informação se tiver, melhor se lida com os sintomas e tratamentos.

- Juntar-se a um grupo de apoio e assim perceber que não está sozinho com a doença e que há várias pessoas na mesma situação. Pode receber informações de outras pessoas que vivem com a doença há mais tempo.

- Manter um exercício físico regular adequado à sua situação clínica, um dieta equilibrada e cuidados preventivos, além do tratamento clínico. Sabemos que a atividade física é um aliado para um bem-estar global, influenciando no sono, no estado de humor e prevenindo o aumento do peso, que pode trazer mais complicações para a saúde para quem tem já alguma doença. Praticar exercício físico é a intervenção mais importante e mais efetiva que a literatura mostrou no tratamento da fibromialgia e nas doenças autoimunes, por exemplo, e é importante e efetiva porque o exercício físico (adequado!) diminui a dor, melhora a depressão, a ansiedade, o sono e a fadiga.

- Manter-se ativo socialmente, permitindo a aproximação de familiares e amigos e participar em atividades que promovam o bem-estar psicológico.

- Reconhecer e aceitar que, durante o tratamento, poderão haver dias bons e maus. Mas num dia mau, se eu alimentar os pensamentos mais negativos, é mais provável que o dia seguinte seja menos bom, do que se eu procurar algo adequado à minha condição, mas que faça sorrir.

- Lembrar-se sempre que as pessoas são muito mais do que a sua doença. Pode ter uma doença crónica, mas isso é uma parte da sua pessoa. Além disso também é um pai fantástico, um melhor amigo de alguém, uma mãe dedicada, um avô carinhoso, um excelente profissional, …

- Procurar apoio psicoterapêutico pode ajudar, mesmo quando se sente que tem bom suporte familiar e de amigos. Também pode ser positivo a procura desse apoio para os membros da família que lidam com a doença de um ente querido. O apoio psicológico é fundamental porque permite criar estratégias para lidar com a doença, e a abordagem cognitivo-comportamental, o relaxamento e a atenção plena (o mindfulness) contribuem para o controlo da dor.

Ninguém escolheu as suas doenças, contudo há caminhos que podemos escolher: aceitar o que não se controla, levantar-se cada dia apesar da dor ou do medo e procurar alimentar o melhor que tem de si e que tem na sua vida! O compararmo-nos com a pessoa que éramos no passado, não facilita o processo de aceitação e de procura do melhor que temos no presente para ser vivido. A qualidade de vida pode ter diminuído, contudo é essencial conseguirmos procurar a melhor qualidade de vida possível no Agora.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Para uma Escola com Mais Saúde Psicológica no Regresso às Aulas

 


Começa agora um novo ano letivo, sendo a escola um espaço primordial para a promoção da saúde psicológica, sem a qual não existe a possibilidade de aprendizagem e sucesso escolar.

Tornar o processo de aprendizagem uma experiência saudável e em ambientes que promovam não só a aquisição de conhecimentos mas também o desenvolvimento integral dos alunos, nas suas diferentes dimensões (cognitiva, social e emocional), é hoje a missão da escola em colaboração com as famílias e restante comunidade.

 Para além das notas na escola, importa valorizar as competências que as crianças aprendem nos outros contextos de vida e o seu desempenho, não só como alunos, mas também como filhos, irmãos, netos e colegas.

Numa escola com mais saúde mental terá de haver necessariamente uma maior participação das crianças no processo de aprendizagem, em que aquilo que aprendem é feito através da própria pesquisa, exploração e perguntas, o que vai possibilitar o desenvolvimento em simultâneo de outras competências como pensar criticamente, resolver problemas, trabalhar em equipa e comunicar.

Uma escola saudável é um lugar acolhedor, que promove a expressão e o desenvolvimento de talentos e interesses e onde se respeita o ritmo de aprendizagem de cada criança, porque é sabido que não aprendem todas ao mesmo tempo e da mesma forma.

Numa escola com mais saúde mental é cultivada a curiosidade e o entusiasmo pelo saber e as crianças são as protagonistas do próprio processo de aprendizagem, fomentando-se o desenvolvimento de cidadãos ativos, conscientes e críticos, mais preparados e resilientes em relação às exigências do mundo atual marcado pela constante mudança e incerteza.



sexta-feira, 26 de maio de 2023

A Arte de Sermos Quem Somos

 



Podemos entender a arte de sermos quem somos como a capacidade de vivermos em autenticidade e de nos sentirmos felizes simplesmente por querermos ser aquele que realmente somos.

O desenvolvimento do auto-conhecimento e o acesso à complexidade do mundo interno, abre a possibilidade para uma maior aceitação e integração da experiência pessoal, da qual fazem parte as forças e as vulnerabilidades de cada um.

A valorização da nossa experiência e a compreensão do nosso funcionamento, é o que nos permite reconhecer e gerir as nossas emoções, ao invés de sermos escravos delas, bem como abandonar velhos mecanismos de defesa que entorpecem a nossa sensibilidade e nos colocam num lugar de desconexão e estagnação.

Quando se encontra vedado o acesso a esta experiência de autenticidade espontânea, podemos estar perante um funcionamento caracterizado por uma armadura defensiva, que se apresenta ao mundo de forma superficial e em fachada como forma de ocultar/negar o verdadeiro eu e escapar à dor de experiências traumáticas. É o desespero de se escolher ser outro que não ele mesmo em prol de uma pseudo-adaptação social.

Sermos quem somos, implica também a consciência que somos seres em permanente construção e crescimento, o que requer um exercício vital de curiosidade, questionamento, descoberta e experimentação. 

Apesar dos condicionalismos externos e das responsabilidades inerentes aos vários contextos que habitamos, importa não esquecer que é neste espaço de liberdade individual que podemos descobrir novas facetas de nós mesmos.

Uma das principais dificuldades experienciadas reside em explorar e em viver este espaço, quer seja por medo do julgamento do exterior ou por receio de abraçar um novo desafio.

No entanto, é quando saímos da repetição e nos desafiamos do ponto de vista intelectual, físico, social, profissional ou artístico, como quem se lança no novo e desconhecido, que podemos desconstruir e reconstruir as “nossas verdades”, expandirmos o nosso ser e ficarmos mais perto de sermos quem realmente nos podemos tornar.

 


quarta-feira, 19 de abril de 2023

Falta de Saúde Mental e Crise Financeira de mãos dadas

Basta olhar para trás e ver pela História e pelas experiências recentes para sabermos que as crises sanitárias rapidamente se associam a crises económicas e sociais. A pandemia COVID-19 deixou muitas famílias em dificuldades financeiras, em situações de desemprego ou com diminuição dos seus rendimentos, depois veio uma guerra que como consequência potenciou uma inflação nos preços. Neste momento, muitos vivem preocupados com a estabilidade e com a continuidade da sua situação profissional e com a sua capacidade de pagar habitação, alimentação, transporte...  Se a situação de pandemia por si só foi geradora de preocupação, ansiedade e stresse, quando temos preocupações com a nossa sustentabilidade financeira e da nossa família, os níveis de preocupação e ansiedade aumentam.

Segundo pesquisas conduzida pela APA – American Psychological Association, o dinheiro é a principal fonte de stresse para a maioria das pessoas, e estudos realizados durante esta pandemia já demonstram que a ansiedade financeira pode ser tão elevada quanto a ansiedade relativa à saúde. Para além disso, o problema financeiro pode agravar as situações de quem já está com problemas psicológicos, intensificando todos os sintomas nomeadamente pensamentos negativos em relação a si, à vida e ao futuro, bem como os quadros ansiosos, melancólicos e de desesperança.

Desta forma podemos dizer que a saúde financeira afeta a nossa saúde mental, mas também que a saúde mental afeta a nossa saúde financeira. Pessoas com sintomas de depressão ou ansiedade por um longo período de tempo sentem maior dificuldade em gerir as suas finanças, pois a intensidade dos sentimentos de medo, ansiedade e preocupação, aumentam a impulsividade na tomada de decisões, podendo trazer consequências ainda mais negativas em várias áreas de vida.

Assim, torna-se fundamental olhar paras estas duas realidade e uni-las: literacia em saúde e literacia financeira. É importante aprender a gerir a nossa ansiedade financeira e adotar comportamentos que promovam escolhas financeiras que nos façam sentir mais tranquilos e seguros. Para fortalecer a resiliência na gestão de crises como a que vivemos, é fundamental melhorar os conhecimentos nesta área, nomeadamente desenvolver hábitos para maximizar uma boa gestão do orçamento familiar, promover o recurso responsável ao crédito e criar hábitos de precaução, sensibilizando para situações de risco que podem afetar o rendimento. Por outro lado, a literacia em saúde, apesar de ser uma conceção recente, tem vindo a ganhar uma crescente importância e destaque nos domínios da saúde pública e dos cuidados de saúde. Assim, em 1998, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu literacia em saúde como o “conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da informação de forma a promover e manter uma boa saúde”.


Como potenciar ambas? Estando estas duas realidades intimamente ligadas, e sendo imprescindíveis no desenvolvimento de indivíduos mais conscientes de si, responsáveis e resilientes, será imperativo o desenvolvimento destas soft skills na formação educativa das nossas crianças e jovens. É fundamental que o ensino esteja sensibilizado para a importância da inclusão da literacia financeira e da literacia em saúde nos seus programas curriculares, na medida em que o desenvolvimento destas competências, é decisivo para a formação de adultos mais equilibrados e com mais condições de aceder a situações futuras de sucesso, possibilitando a construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades.

 Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade - Psychology Now, nº 61 Abr-Maio-Jun 2023

sábado, 25 de março de 2023

No lugar da Incerteza e do Não saber


O lugar da incerteza e do não saber representa para muitos, um lugar de desconforto, ignorância e insegurança, no qual sentimos que o controlo do que está por vir nos escapa e que nos arriscamos a sentir ansiosos, perdidos e magoados, num mundo onde todos aparentemente têm tantas certezas.

É esta vulnerabilidade que pauta as relações onde nos expomos emocionalmente e em que ficamos dispostos a correr riscos, sem garantias de nada. Se por um lado esta exposição pode inicialmente ser desencadeadora de medo e insegurança, por outro lado é o lugar onde podemos ser realmente vistos, autênticos e conectar verdadeiramente com o outro, abrindo-se a possibilidade para o nascimento da alegria, amor, pertença e esperança.

Só podemos conectar de forma verdadeira, amar e sermos amados, se estivermos na disposição de deixar cair as nossas armaduras e ficarmos expostos, sendo quem realmente somos e sem garantias e certezas do que está por vir.

A intolerância ao não saber, se for demasiado intensa e invasiva, pode transformar-se num medo que paralisa e impede a verdadeira aproximação pela antecipação de um desfecho doloroso, ou traduzir-se numa necessidade de controlo sobre o outro de modo a apaziguar as próprias ansiedades ligadas à incerteza.

Por outro lado, pela dificuldade em lidar com os próprios sentimentos ambivalentes vividos na relação, muitas pessoas ficam dispostas a fazerem quase qualquer coisa para escaparem rapidamente a essa ansiedade ligada à ambivalência e à incerteza, precipitando-se em comportamentos e respostas desconectadas das suas emoções que visam escapar à cobrança interna de que deveriam saber e não sabem.

A capacidade de permanecermos no lugar do não saber e do imprevisível e de conseguirmos desfrutar das sensações que daí decorrem, permite-nos entrar em contacto com a vivacidade das emoções, com o desejo, a criatividade e a vitalidade, essenciais na relação contra a repetição e o hábito.

Assumirmos a incerteza e o não saber, não é sinal de fraqueza, desinteresse ou ignorância mas uma manifestação de coragem e força a partir da qual podemos aceitar e acolher com serenidade essa realidade interna sem tentativas de evitamento, fuga ou precipitação em respostas imediatas e absolutas, abrindo-se então a possibilidade para conectar com novas soluções e respostas.

 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Procura-se: mais Empatia!


Como seria o mundo se fossemos todos um pouco mais empáticos? Como seria a nossa vida, o nosso dia-a-dia, se não levássemos tão a peito cada “falta de respeito” que consideramos dos outros, muitas vezes apenas por agirem de forma diferente? Como seria termos mais empatia pelos outros, e por isso sermos mais tolerantes e aceitantes com o que consideramos “erros” dos outros? Como seria a nossa vida sem o constante julgamento? A empatia, a tolerância e a aceitação andam de mãos dadas.    
    

Tendo em conta que a tolerância se define do latim tolerantĭa (constância em sofrer), “é um termo que define o grau de aceitação diante de um elemento contrário a uma regra moral, cultural, civil ou física. Do ponto de vista da sociedade, a tolerância é a capacidade de uma pessoa ou grupo social de aceitar outra pessoa ou grupo social, que tem uma atitude diferente das que são as normais no seu próprio grupo. Assim, a partir da tolerância, é garantida a aceitação das diferenças sociais e a liberdade de expressão. Tolerar algo ou alguém é permitir que algo prossiga, mesmo que a pessoa não concorde com tal valor, pois é dado o respeito de discordar. Ser tolerante implica aceitar que todos temos a liberdade de escolha das nossas convicções e que todos temos o direito exatamente igual de desfrutar da mesma liberdade”.

A empatia é a nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro e conseguirmos ver através do outro, e mesmo que não se partilhe da mesma opinião ou da mesma perspetiva, a empatia é isso mesmo, ver através das suas lentes e compreender então a sua visão. No mesmo nível... nem melhor nem pior. Compreender assim, que pelas diversas razões (educação, aprendizagens, experiência de vida) as pessoas criam e desenvolvem visões e opiniões diferentes, todas elas válidas. Sem dúvida, um exercício de descentração.

Nos últimos tempos, parece-me que temos assistido a um aumento da intolerância social. Violência e atos de intimidação contra pessoas que exercem a sua liberdade de opinião e de expressão. Parece-me que se tem confundido dar opinião com ditar opinião de forma fundamentalista, anulando-se todos os pontos de vista diferentes. E parece-me que isso tem vindo a ganhar espaço sobretudo nas redes sociais, um pouco sobre todos os temas. De repente, temos doutorados e especialistas em todas as matérias, opinando como se cada um, individualmente tivesse a verdade absoluta.

Isso é assustador. Estamos cada um a crescer e a viver na sua própria bolha? Até que ponto a pandemia, ao exigir um maior distanciamento social, em que as pessoas se fecharam mais nas suas casas, também se fecharam mais nas suas redes sociais, na sua bolha, na sua realidade e as suas opiniões se tornaram mais e mais fundamentalistas?

Onde está aqui a empatia!?

É fundamental para uma sociedade harmoniosa, haver a capacidade de reflexão e a capacidade crítica, e isso acontece quando todos podemos partilhar as nossas opiniões e crescermos com essas partilhas, podendo assim evoluirmos como sociedade e como pessoas. Mas nesse processo também faz parte querer ouvir e compreender o outro lado e a outra perspetiva, o querer ouvir e compreender de forma genuína. Mas para conseguirmos fazer isso, temos que desligar o botão do julgamento e da ideia de que a minha perspetiva é melhor que a do outro, ou que eu tenho razão. Um olhar desapossado dos próprios valores e preconceitos, reconhecendo e aceitando que há diferentes maneiras de pensar e agir. E talvez refletir sobre a necessidade de termos razão...!?

Assim, tendo em conta que termos saúde mental também significa termos a capacidade de adaptação e conseguirmos criar relações com pessoas, é essencial olharmos para a nossa capacidade de empatia e tolerância como um aspeto essencial a ser refletido. Uma pessoa mais empática e tolerante tem uma maior flexibilidade mental, tem uma maior capacidade de se adaptar e isso permite com que a pessoa possa lidar melhor com situações inesperadas, de stress e de frustração, vivendo de forma mais tranquila e harmoniosa.

Proponho uma reflexão sobre este tema... Sou tolerante? Sou empático? Quais são as consequências da minha tolerância e empatia ou falta delas, em mim, nos outros e nas minhas relações? Como me poderei tornar mais empático e tolerante e como isso me faria sentir? Sugiro que numa próxima conversa faça esse exercício, escutar genuinamente essa pessoa e colocar-se no lugar dela, compreender. Sem dúvida que as diferenças serão mais facilmente compreendidas e será mais tolerante e aceitante, mesmo sem concordar. Mas não se sente mais próximo dessa pessoa?

Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade, Psychology Now, nº 60 Jan-Fev-Mar 2023.